domingo, 22 de janeiro de 2012
Poema de Despedida
Mia Couto
Não saberei nunca
dizer adeus.
Afinal,
só os mortos sabem morrer.
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser.
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo.
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos.
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo inferno me vem a boca.
Nenhuma palavra
alcança o mundo,
eu sei,
ainda assim,
escrevo.
domingo, 11 de setembro de 2011
Minha mãe me abandonou para a vida.
Num pequeno instante, olhando os olhos de minha mãe, um olhar distante e inseguro, olhos quase-velhos e inocentes. Foi olhando dentro destes olhos que me vi, reconheci a mim mesma embora não fosse parte de mim. Era outra pessoa.
Dentro deles eu encontrei a troca, não mais a segurança pois tudo era aberto e incerto. Não havia amor incondicional ou compaixão, éramos adultas, por vezes meninas e no fim duas.
Eramos duas em suas escolhas, eu escolhi nascer daquele ventre, ela escolheu me dar a vida. Naquele instante, nem o acaso da natureza, nem o projeto de deus, nem os grandes sábios. Eramos vida: ela saíra de meu ventre, se alimentara em meus seios, dormira em meu colo e depois, na adolescência da vida, me trocara pelo mundo. A mim restou envelhecer e olhar aqueles olhos, perceber o quanto somos duas, o quanto ela me permite ser e apenas isso.
Sem agradecimentos, sem obrigações, sem amor eterno, sem culpa e sem medo. Ela, apenas, me deixou seguir e por isso não me pede nada em troca. Com isso me permite retornar em seus olhos e me deixar espantar pela vida, permite que eu continue sugando de seu corpo aquela seiva carnal. Aquilo que se faz vida apenas por ser. Nada mais.
Naquele pequeno instante, acredito que, cresci.
Num pequeno instante, olhando os olhos de minha mãe, um olhar distante e inseguro, olhos quase-velhos e inocentes. Foi olhando dentro destes olhos que me vi, reconheci a mim mesma embora não fosse parte de mim. Era outra pessoa.
Dentro deles eu encontrei a troca, não mais a segurança pois tudo era aberto e incerto. Não havia amor incondicional ou compaixão, éramos adultas, por vezes meninas e no fim duas.
Eramos duas em suas escolhas, eu escolhi nascer daquele ventre, ela escolheu me dar a vida. Naquele instante, nem o acaso da natureza, nem o projeto de deus, nem os grandes sábios. Eramos vida: ela saíra de meu ventre, se alimentara em meus seios, dormira em meu colo e depois, na adolescência da vida, me trocara pelo mundo. A mim restou envelhecer e olhar aqueles olhos, perceber o quanto somos duas, o quanto ela me permite ser e apenas isso.
Sem agradecimentos, sem obrigações, sem amor eterno, sem culpa e sem medo. Ela, apenas, me deixou seguir e por isso não me pede nada em troca. Com isso me permite retornar em seus olhos e me deixar espantar pela vida, permite que eu continue sugando de seu corpo aquela seiva carnal. Aquilo que se faz vida apenas por ser. Nada mais.
Naquele pequeno instante, acredito que, cresci.
Para minha mãe, que me abandonou para a vida.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Sua benção Tales menino.
Abençõe a esta pobre alma de dinda.
Esta alma que nem sabe abençoar, que nem acredita no poder acima, que não sabe enxergar para além daquilo que sente. Que só consegue pulsar e amar na vida. Alma que abandonou a razão e que não consegue explicar o medo e pavor de olhar o seu rosto e imaginar que você veio para este mundo.
E que mundo ... Perdão menino Tales mas aqui nem tudo é àgua pois os rios estão poluídos e o fluxo da razão destruiu a humanidade do homem. Os homens que aqui governam esquecem o sabor, o calor e o som do seio da mãe e aos poucos se afastam do coração, e sem ele também esquecem que foram meninos e assim apagam de suas memórias as verdadeiras necessidades da vida. Esquecemos a necessidade do calor do outro, do abraço apertado. Cronos foi dominado e agora não podemos observar o detalhe pequeno do dia a dia que torna o instante presente o presente pra vida.
Porém meu querido menino o que nos faz humanos é contradição, a mesma que nos torna únicos. E contraditoriamente, em tempos de vidas sem alma, ainda se vive. O único e maior valor que carregamos é o que pulsa em nossas veias, arrepia a nossa alma, umedece nossas roupas. O espanto, aquilo que inclina o homem para a filosofia, nos toma de assalto quando o acaso nos surpreende com a vida. Quando tudo parece morte, nasce um Tales. As pequenas mãos nos deixam indefesos do mundo, o silêncio, a respiração dos pequenos nos remete aquilo que queremos cuidar que é o outro. O outro somos nós mesmos, modificamos nossa re-existência para a sua existência . É aqui que aprendo com você. A me renovar quando me torno dinda, aquilo que só posso ser sendo.
Abençõe esta alma de dinda, devolva pra elas as suas palavras. Tome: modifique a sua existência.
domingo, 14 de agosto de 2011
Aos que me roubaram a alma.
E eles fazem isso, sempre me roubam o direito de não ser nada, de não querer nada. Eu grito, corro, fujo mas eles insistem em ficar e quando me dou conta a argamassa do muro derreteu. Com ela vão as minhas certezas e meu orgulho, minhas leis e razão, a culpa e misericórdia . Eles expõem minha vergonha em praça pública, escrevem "insegurança e medo" em minha testa. Rasgam minha roupa e me deixam nua. Sugam meu sangue, mergulham minha cabeça na bacia e me tiram o ar. Ao final eles me sangram a carne e quando estou quase-morta eu acordo em lençóis brancos com cheiro de flor.
Me trazem comida, bebida. Acalantam meu corpo, lavam meus pés, aparam meus cabelos e unhas. Deito no colo e enquanto brincam com os meus caracóis exalam palavras de amor e perdoam meu defeitos. Insistem que meus pecados são milagres, que meus problemas são ternura e que a minha vida é mármore rosa de tão rara e preciosa mas possível de ser vista.
Não resta nada daquela que fui, dos gritos que dei e do desespero em não querer amar. Não sei mais nada sobre aquela que vivia sozinha, que não precisava de nenhuma voz de "boa noite" e nenhum beijo de "bom dia". Agora me configuro por aquilo que não me encontrei, que não sei explicar, que me faz incompleta e que me lança para a morte enquanto insisto na vida. Eu hoje penduro a minha alma no ombro de quem me ama.
domingo, 31 de julho de 2011
Mataram a mendiga louca que vivia no lixo.
Mataram a mendiga louca que vivia no lixo.
Para Dalva, a louca.
Mataram a mendiga louca que vivia no lixo. Bem feito: quem mandou viver? Que sentido tem fazer poesia dos restos enquanto todos nós queremos esquecer o lixo que somos. Reciclamos, separamos vidros, plástico e orgânico. Pra quê? Pra não sentirmos culpa pois no fim tudo vira uma coisa só nos lixões públicos.
Mas o que isso me interessa? Gramacho é a estação final da linha de trem, um lugar longe de nós – nós que somos tão civilizados, limpos e conscientes com responsabilidade social.
Nos indignamos nas salas escuras do cinema: aplaudimos de pé e emocionados a vida - tanta vida que ela nos trouxe, pois de vez em quando é bom lembrar que somos humanos - e após o “the end”, passamos longe dos hospitais públicos, que são públicos assim como o lixão de Gramacho e por serem públicos recebem os restos de lixos dessa humanidade sem humanidade. E foi lá, num hospital público que ela morreu.
Os hospitais públicos, os sanatórios públicos, as cadeias públicas e os lixões públicos são lugares podres: sujos, fedorentos, barulhentos e coloridos: não são cinzas como os prédios que cortam os céus das cidades e os shoppings centers (nome que nem tenho direito de escrever no plural). São vivos, pulsam tudo que sai de dentro de nós: as nossas fezes, suores, nossos gritos, lamúrias e desesperanças que estão depositados nestes lugares cheios de vida. A vida que queremos esquecer. Esquecer que na verdade somos uma panela de pressão pronta para gritar, para dizer que somos contradição, horror e feiúra, mas que somos esperança: esta que não se compra, que não se pode arrancar, que Pandora deixou na caixa e que buscamos a todo tempo.
Mataram a mendiga louca, foi queima de arquivo, ela era humana demais para viver em tempos de barbárie. O enterrro foi sexta. Se fuderam: enraizaram a poesia do mundo.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
HOJE 27/07/2011 OS MORADORES DA ILHA DA MADEIRA (SEPETIBA/RJ) ESTÃO UNIDOS CONTRA AS OBRAS DE AMPLIAÇÃO DO PORTO DE SEPETIBA.
HOJE 27/07/2011 OS MORADORES DA ILHA DA MADEIRA (SEPETIBA/RJ) ESTÃO UNIDOS CONTRA AS OBRAS DE AMPLIAÇÃO DO PORTO DE SEPETIBA.
Há cerca de dois anos os moradores da Ilha da Madeira, um pequeno paraíso localizado em Sepetiba (Rio de Janeiro) sofrem com as intervenções de obras no local devido a ampliação do Porto de Sepetiba. As obras possuem como principal investidor a empresa LLX, empresa de logística do grupo EBX, dirigida pelo empresário EIKE BATISTA, e foram investidos cerca de R$1,8 bilhões, recursos federal e privado.
Porém, a implementação do empreendimento tem causado mais do que transtornos mas desrespeito aos direitos dos moradores locais, em sua maioria famílias tradicionais de pescadores que estão sofrendo diretamente os impactos das obras, que reativou a Pedreira de Sepetiba (uma pedreira local), além de desapropriar centenas de moradores da região e de destruir uma região de manguezal que existia há menos de 1 ano na entrada da Ilha. Os moradores também afirmam que a empresa USIMINAS está "mexendo num barro contamido com zinco", abandonado desde os anos 1980 com a falência da empresa INGÁ MERCANTIL. Segundo o relato dos moradores o material é extremamente poluente levando os trabalhadores que manuseiam os tratores de retirada do material a desmaiarem durante o processo.
Hoje, dia 27/07/2011 os moradores da Ilha estão nas ruas: o que eles reivindicam são indenizações decentes para saírem da Ilha uma vez que a luta pra permaneceram no local onde nasceram e construíram suas vidas foi vencida pelos interesses econômicos. Os moradores da Ilha interditaram estradas e as entradas das empresas que se instalaram no local desde o início do ano (Odebrecht, LLX, USIMINAS, etc) impedindo o acesso de caminhões e dos trabalhadores.
Segundo depoimento de moradores (por questão de segurança terão seus nomes ocultados) a poeira é insuportável: as praias já não podem mais ser frequentadas; o barulho no local é gritante; a reativação da pedreira destrói a mata regional e desde 2009 os animais que habitavam nas florestas estão entrando na casa dos moradores e pedras gigantescas rolam para as ruas.
Em Novembro de 2009 a Rede Globo de Televisão realizou uma reportagem sobre os impactos da reativação da Pedreira no local porém nada foi feito.
Não é a primeira vez que os moradores sofrem com empresas privadas que com autorização legal e ilegal das esferas públicas se instalam, poluem indiscriminadamente o local resultando na impossibilidade de trabalho dos pescadores, do turismo e da moradia, como foi o triste caso da instalação da INGÁ Mercantil nos anos 50.
(Parte desta história está relatada no documentário "Territórios de Sacrifício ao Deus do Capital: o caso da Ilha da Madeira. Segue link http://www.epsjv.fiocruz. br/index.php?Area= NoticiaInterna&Num=122& Destaques=1 )
A Associação de Pescadores local (APLIM), além de outros grupos de movimentos sociais do Rio de Janeiro tentam em vão desde 2009 intervir nas obras de forma que elas não expulsem os moradores da Ilha da Madeira, porém a triste constatação é que infelizmente será impossível a vivência no local e o que querem agora é que aconteçam imediatamente negociações justas para que os moradores saiam da ilha com a mínima possibilidade de sobrevivência, uma vez que não poderão mais exercer as atividades de pesca e turismo, principais fontes de renda das famílias.
Para dar corpo e voz as reivindicações dos moradores é necessário tornar pública esta situação: peço que todos repassem para seus grupos, mídias, amigos e qualquer rede que possa tornar pública esta questão. Vamos ser mais do que solidários mas pertencentes às famílias da Ilha da Madeira que assim como nós estão sofrendo com as intervenções na Cidade Maravilhosa com a Copa do Mundo e Olimpíadas. Esta cidade é nossa.
Fabiana Melo Sousa
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