Mataram a mendiga louca que vivia no lixo.
Para Dalva, a louca.
Mataram a mendiga louca que vivia no lixo. Bem feito: quem mandou viver? Que sentido tem fazer poesia dos restos enquanto todos nós queremos esquecer o lixo que somos. Reciclamos, separamos vidros, plástico e orgânico. Pra quê? Pra não sentirmos culpa pois no fim tudo vira uma coisa só nos lixões públicos.
Mas o que isso me interessa? Gramacho é a estação final da linha de trem, um lugar longe de nós – nós que somos tão civilizados, limpos e conscientes com responsabilidade social.
Nos indignamos nas salas escuras do cinema: aplaudimos de pé e emocionados a vida - tanta vida que ela nos trouxe, pois de vez em quando é bom lembrar que somos humanos - e após o “the end”, passamos longe dos hospitais públicos, que são públicos assim como o lixão de Gramacho e por serem públicos recebem os restos de lixos dessa humanidade sem humanidade. E foi lá, num hospital público que ela morreu.
Os hospitais públicos, os sanatórios públicos, as cadeias públicas e os lixões públicos são lugares podres: sujos, fedorentos, barulhentos e coloridos: não são cinzas como os prédios que cortam os céus das cidades e os shoppings centers (nome que nem tenho direito de escrever no plural). São vivos, pulsam tudo que sai de dentro de nós: as nossas fezes, suores, nossos gritos, lamúrias e desesperanças que estão depositados nestes lugares cheios de vida. A vida que queremos esquecer. Esquecer que na verdade somos uma panela de pressão pronta para gritar, para dizer que somos contradição, horror e feiúra, mas que somos esperança: esta que não se compra, que não se pode arrancar, que Pandora deixou na caixa e que buscamos a todo tempo.
Mataram a mendiga louca, foi queima de arquivo, ela era humana demais para viver em tempos de barbárie. O enterrro foi sexta. Se fuderam: enraizaram a poesia do mundo.