domingo, 10 de abril de 2011

Bela

A Bela aparece como num surto sem avisar e tira o sono. Quem pensa que é essa tal  pra perturbar a paz angelical do repouso? O que pensa saber da vida para esfregá-la na minha cara e devolvê-la em frescor.
As luzes se acenderam e agora o palco está iluminado, estou pronta para reapresentar sem ensaio. Agora o improviso me toma e recito um monólogo sem diretor. Não existe persona: sou eu no coração e na carne viva que vibra, em todos os lados.

Tudo é claro e vejo o rosto de todos na platéia, mas há algo estranho pois todos eles sou eu, parecem comigo e me olham. São cerca de cinquenta olhos castanhos, rostos redondos, cabelos curtos e almas em construção. Mas por cima de cada uma existe o reflexo da Bela. Ela fala no ouvido, olha no fundo da carne e lembra a humanidade que existe em cada uma de mim. É assim que ela me quer, protagonista no palco e olhar na platéia ao mesmo tempo.

Que venham as Musas então e me tomem no ventre, gerem em mim amor, desejo e paixão para saber mais, viver mais e ser mais alma. Que eu encontre a medida certa para fazer o lençol que irá cobrir os sonhos devassos e os gestos desnudos desta delicada alma.

Desta Bela alma ...





terça-feira, 5 de abril de 2011

Para o príncipe que bebeu a àgua do rio Alétheia

Nas nossas rodas infantis eu era rainha e você principe.
O pano da cama era o palácio e os brinquedos nossos súditos.
Os banquetes de bolachas cream craker eram a sensação,
e assim a vida passava com cheiro amarelo.

Mas um dia o principe se aborreceu e trancou o amarelo na masmorra.
Chamei o bobo da corte mas ele não riu,
Pintei seu busto com verde mas ele não gostou,
E assim tudo que era sonho virou realidade.

Ele parou de enchergar o amarelo,
Me disse que a vida era dele e que seus sonhos também.
Que não eram súditos aqueles velhos brinquedos,
E que a ilusão era a arma dos tolos.

Segui então meu caminho e construí outros castelos,
Arrumei os mais belos vitrais e deixei os muros baixinhos por onde entravam a plebe, os reis, animais, mendigos, crianças, amores e vários tons de amarelo.

Enquanto ele desbotava cada vez mais ...
Sua cria gritava por calma, amor e paciência.
A matriarca urrava de dores e desconsolo.
E aquela que era seu amor foi virando dias costumeiros.

Agora chega o terremoto.
Castigo das Deusas ao esquecido principe.
Sua cria foi a primeiro a pular o murinho do castelo.
O amor demonstra num pequeno sorriso segundos de paz e confiança,
Mas o príncipe não quer voltar à magestade.

Talvez porque seja difícil carregar as pedras do castelo,
Ou mesmo porque esqueceu das borboletas que o ajudariam.
Mas a força da Terra é violenta demais para aguentar,
E, que pena, a masmorra tomba a cada dia.

As portas do meu castelo estão baixas, mas não completamente.
Não há nada de realeza deixar o príncipe impune.
Ele se deixou esquecer a verdadeira lição da felicidade,
e agora as Deusas da floresta estão lhe dando a chance de relembrar o amor.

Venha príncipe, não tenha medo de morrer,
Deixe que as roupas de gala se remendem,
que os pássaros arrumem a mesa com outras bolachas,
traga sua cria e seu amor para brincarmos juntos.

Mas venha logo,
pois a vida não perdoa os príncipes machões e covardes,
e o ensinamento das Deusas dizem que as vezes é tarde demais.
E bem na superfície de minha cara ainda resiste um sonho de que o amarelo ainda pode se salvar.


Oração para as Mulheres


Que as Deusas abençõem as bruxas queimadas e aquelas que ainda serão;
Que dêem maestria às prostitutas e que vinguem os corpos das violadas,
que energizem com força os ventres das mães solteiras para que deles nasçam o amor,
que encham de coragem o peito das matriarcas pobres e cansadas do labor.

Que soltem a voz das companheiras ainda em silêncio pelo medo;
que matem os machos podres e feridos pela inveja da força que temos.

Deusas, rogai pelos nossos seios, vaginas, pernas e bundas
que tenhamos a cada dia o prazer de saber porque somos.

Santas e devassas que derramaram sangue, gozo, suor e esperanças pelo mundo;
fazei de nossas lutas uma só.

Fabiana Melo Sousa - 08/03/2011